Inicialmente o meu interessante pelo livro Caninos Brancos foi movido pela paixão por lobos e pelo filme de mesmo nome, como muita gente nos anos 90.
Agora, já com uma visão completamente diferente e mais madura, eu pude perceber muito mais do que o autor Jack London quis compartilhar.
Se você já teve curiosidade de ler esse título, tanto por ser um clássico da literatura norte-americana ou por ter adorado o filme da Disney, confira a resenha e também os melhores trechos do livro Caninos Brancos.
Sinopse de Caninos Brancos
Autor: Jack London
Título original: White Fang
Lançamento original: 1906
Sinopse: “Caninos Brancos é um lobo nascido no território de Yukon, no norte congelado do Canadá, durante a corrida do ouro que atraiu milhares de garimpeiros para a região. Capturado antes de completar um ano de idade, é usado como puxador de trenó e obrigado a lutar pela sobrevivência em uma matilha hostil. Mais tarde repassado a um dono inescrupuloso, é transformado em cão de rinha e, mesmo depois de resgatado desse universo de violência, ainda precisa de um último ato de heroísmo para conseguir sua redenção e finalmente encontrar seu lugar no mundo.
Percorrendo o caminho inverso ao do traçado em O chamado selvagem (1903), em que um cão domesticado é obrigado a se adaptar à vida na natureza, em Caninos Brancos (1906) Jack London narra a história de um animal que precisa suprimir seus instintos para sobreviver na civilização. Grande sucesso de público desde o lançamento, já foi traduzido para mais de oitenta idiomas e adaptado diversas vezes para o cinema, os quadrinhos e a TV.”
Resenha sobre Caninos Brancos
A incrível narrativa de Jack London
Se você busca uma leitura prazerosa, o livro Caninos Brancos com certeza não é uma boa escolha. Não porque a narrativa é ruim, mas porque é a história é bastante cruel e triste.
Definitivamente Jack London não quis nos dar uma versão de contos de fadas quando escreveu a história desse pequeno filhote de lobo. Muito pelo contrário. O que ele realmente quis mostrar é o quão brutal e racional é a natureza.
Para Caninos Brancos, ou ele era a caça, ou o caçador. Ou ele comia carne, ou era comido. Ou ele atacava, ou era atacado. Não existia meio-termo e nem compaixão, pois assim é a Floresta.
E para mostrar esse lado, o autor foi mestre em narrar o livro na perspectiva do lobo, onde o mundo é descrito com os olhos do animal, nos mostrando como ele associa a vida e o que está ao seu redor.
Quem nos guia na leitura é Caninos Brancos, e ele definitivamente não possui a nossa moralidade ou nossas regras sociais.
De verdade: eu nunca li um livro que conseguisse repassar tão bem esse tipo de visão instintiva. E o mais inusitado é que, na verdade, Jack London estava falando também de homens-animais, marginalizados e cruéis – mas isso eu te explico daqui a pouco.
Ele não pensava sobre a questão da maneira humana. Apenas classificava as coisas que doíam e as coisas que não doíam. E depois dessa classificação evitava as coisas que doíam, as restrições e os limites, para desfrutar as satisfações e remunerações da vida.
Homens e lobos: as diferenças
Também temos no livro Caninos Brancos uma incrível troca de papéis. No começo da história, no meio da floresta, nós nos colocamos no lugar dos humanos que estão com medo de serem devorados pelos lobos. Acabamos vendo o lobo como o antagonista, o inimigo cruel e faminto.
Depois, temos os homens cercando o lobo, e o nosso sentimento se inverte totalmente. Enquanto Caninos Brancos cresce, vamos ficando cada vez mais com dó do filhote que só sofre nas mãos dos seus donos humanos.
Uma boa cena que exemplifica isso é no momento em que Caninos Brancos é colocado como cão de rinha e forçado a ser o mais violento possível. Simplesmente não tem como não odiar o homem que faz uma coisa dessas.
Porém, nem tudo são lados positivos no livro, e uma coisa que definitivamente me incomodou foi a utilização do termo ‘deuses’ para definir como Caninos Brancos vê os humanos. Parece muito errado olhar para seres tão imperfeitos e cruéis como divindades que devem ser respeitadas à qualquer custo.
Inclusive, tem até um breve julgamento entre índios e brancos quando Caninos Brancos finalmente conhece a cidade grande. No trecho, o lobo vê que os ‘deuses brancos’ são mais poderosos que os ‘deuses índios’, e por isso são superiores como raça. Entendo que, além da época do livro, a referência seja porque para os animais o que importa é a dominância e a influência que uma espécie possui. Mesmo assim achei desnecessário e racista.
A mensagem de empatia de Jack London
O que me atrai realmente nesse livro é a sua mensagem. O autor traz, em diversos momentos da leitura, a analogia de que nascemos como uma argila sem forma, e essa argila vai se moldando a partir do nosso ambiente, das nossas experiências e reações.
Isso quer dizer que nós não nascemos como a nossa personalidade definida, mas a formamos a partir de um complexo efeito de ação e reação.
“Se Lip-lip não tivesse existido, ele teria passado a sua infância com os outros filhotes e crescido mais como um cachorro, gostando mais dos cachorros. Se Castor Cinza tivesse possuído a inclinação do afeto e do amor, ele poderia ter sondado as profundezas da natureza de Caninos Brancos e trazido para a superfície toda sorte de qualidades bondosas. Mas nada disso acontecera.”
Porém, por mais que não existam mudanças completas e radicais, também conseguimos remodelar a nossa argila, principalmente quando alguém confia em nós e demonstra carinho e amor.
Então, se for para fazer um resumo do livro, eu diria que Caninos Brancos conta a história de redenção de um lobo que foi criado para ser violento em toda a sua vida, mas que em um determinado momento é capaz de amar e ser amado.
E, enquanto lemos, é inevitável lembrar que também existem algumas pessoas que foram criadas durante toda vida para serem violentas, ou foram levadas a pensar dessa forma. O que Jack London nos faz perceber é que não é só porque elas foram criadas assim que elas serão assim pelo resto de seus anos. É, sim, possível fazê-las retornarem à sociedade.
Onde comprar
Se você curte histórias um pouco mais densas e sempre quis conhecer esse clássico, não perde tempo. Vale muito a pena ler Caninos Brancos e entender um pouco mais sobre essa história.
O livro também é pequeno e pode ser comprado por um preço super bacana na versão e-book, na Amazon.
O filme Caninos Brancos, da Disney
Dá para imaginar a Disney fazendo um filme sobre violência e maus tratos aos animais? Não, né? Por isso, as histórias são completamente diferentes. Nessa versão de Caninos Brancos, quem tem o foco é o homem que “salva” o meio-lobo, e não o Caninos Brancos em si.
No filme, não acompanhamos o crescimento do filhote, dos maus tratos que sofreu e das consequências dele. Não vemos o seu esforço para sobreviver, e nem que ele foi o único filhote da ninhada que restou. Não sabemos nem sobre a sua luta contra o chamado da Floresta ou da sua redenção aos humanos.
Falta tanto da história do lobo que eu posso afirmar que, não, o livro não tem a mesma pegada. De qualquer forma, as duas versões são ótimas de serem lidas/assistidas, mas com visões diferentes e finalidades diferentes.
Melhores frases de Caninos Brancos
“Um homem já está meio derrotado quando diz que está. E você já está meio comido pela maneira como está se comportando.”
“Olhou para eles de um modo estranhamente sequioso, como um cachorro, mas no seu anseio não havia nada do afeto de um cachorro. Era o anseio gerado pela fome, tão cruel como as suas presas, tão impiedoso como a própria geada.”
“Mas ele era, além disso, o mais feroz da ninhada. Podia emitir um rosnado áspero mais alto do que qualquer um dos outros. Suas pequenas fúrias eram muito mais terríveis que as deles. Foi o primeiro a aprender o truque de fazer rolar um dos outros filhotes com um golpe ladino da pata. E foi o primeiro a agarrar outro filhote pela orelha e puxar, certamente era o que mais dava trabalho à mãe no seu afã de manter a ninhada longe da boca da caverna”
“O instinto e a lei exigiam dele a obediência. Mas o crescimento exigia desobediência. A mãe e o medo impeliam a manter-se longe da parede branca. Crescimento é vida, e a vida está sempre destinada a se aproximar da luz.”
“Tinha aprendido algo mais sobre o mundo. A água não era viva. Ainda assim se movia. Mais, parecia sólida como a terra, mas não tinha nenhuma solidez. A sua conclusão era que as coisas nem sempre eram o que pareciam ser. O medo do desconhecido no filhote era uma desconfiança herdada, agora reforçada pela experiência. A partir de então, no que dizia respeito à natureza das coisas, ele nutriria uma desconfiança duradoura das aparências. Teria de aprender a realidade de uma coisa, antes de poder confiar na sua maneira de ser.”
“Era sábio, mas na sua natureza havia forças maiores que a sabedoria. Uma dessas era a fidelidade. Ele não amava Castor Cinza, porém, mesmo em face de sua vontade e raiva, ele lhe era fiel. Não podia deixar de ser.”
“Odiado pela sua espécie e pelos homens, indomável, perpetuamente guerreado e travando uma guerra perpétua, o seu desenvolvimento foi rápido e unilateral. Não havia terreno em que a bondade e o afeto pudessem florescer. Dessas coisas, ele não tinha o menor vislumbre. O código que aprendeu era obedecer o forte e oprimir o fraco.”